Responsabilidade Civil por Erro Médico na Jurisprudência do STJ: Cabimento da inversão do ônus da prova e prevalência da teoria da perda de uma chance
Neste blog abordamos recente jurisprudência sobre responsabilidade civil por erro médico, trazendo ao nosso leitor a tese firmada no REsp 1.985.977-DF, inserta no Informe do STJ - Direito Púbico, Edição Extraordinária n. 19, de 16/07/2024, adiante reproduzida.
O julgado reforça reforça a aplicação da inversão do ônus da prova, sob a ótica da hipossuficiência de informação obtenção probatória por parte do paciente na prestação de serviços médico-hospitalares, cuja fundamentação se encontra calcada no artigo 373, parágrafo 1o., do Código de Processo Civil, que assim explicita:
" Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.".
A tese ainda ressalta a teoria da perda de uma chance,
visto que no caso concreto haver-se-ia de adotar medida mais incisa a evitar a
morte de um bebê de apenas nove meses.
Responsabilidade civil do Estado. Erro na prestação de
serviços médico-hospitalares. Morte de bebê. Descumprimento de orientação do
Ministério da Saúde. Inversão do ônus da prova. Teoria da perda de uma chance.
Vê-se que neste importante
julgado se destaca a imposição da inversão do ônus da prova enquanto o cidadão
é a parte hipossuficiente em relação ao Estado. E o entendimento no sentido de
que quando se trata de responsabilidade civil em questões médico-hospitalares,
é aplicável a teoria da perda de uma chance, pois, neste
contexto, é dever profissional se utilizar de todos os recursos diagnósticos, métodos
de cura e providências de salvamento possíveis. No caso concreto se observa que
havia orientação do Ministério da Saúde a respeito da internação em casos de
pneumonia bacteriana. Veja.
Aplica-se a
responsabilidade civil pela perda de uma chance no caso de atuação dos
profissionais médicos que não observam orientação do Ministério da Saúde,
retirando do paciente uma chance concreta e real de ter um diagnóstico correto
e de alçar as consequências normais que dele se poderia esperar.
INTEIRO TEOR
"Trata-se, na origem, de ação indenizatória em
face de ente público, alegando danos que lhes foram causados em decorrência da
falha na prestação do serviço público de saúde, haja vista a morte de bebê
prematuro.
No caso, o bebê nasceu com 29 semanas de idade
gestacional e permaneceu internado na UTI Neonatal, tempo em que precisou de
tratamento intensivo com ventilação mecânica e antibioticoterapia, diante da
gravidade de sua condição de saúde. Já com nove meses de vida, precisou de
atendimento médico de emergência, após apresentar febre intensa, tosse seca e
vômitos. Os pais o levaram para a Unidade de Pronto Atendimento 24h (UPA), onde
ele recebeu, inicialmente, a classificação de risco muito urgente. Contudo, o infante
não foi internado e apenas lhe foi prescrito medicamento sem efeito antibiótico
ou anti-inflamatório. Em seguida, quando estava em casa, o bebê continuou a
apresentar os mesmos sintomas e, novamente, precisou de atendimento médico de
emergência. Retornando ao hospital, a equipe de profissionais diagnosticou o
caso como pneumonia bacteriana, prescreveu tratamento com medicamento
antibiótico e concedeu alta médica. Na residência da família, o bebê dormiu na
madrugada do dia seguinte, mas não acordou novamente.
A Corte estadual, embora
pontuando expressamente que a equipe médica não seguiu a orientação de
internação, emanada do Ministério de Saúde para crianças com diagnóstico de
pneumonia e com histórico de doença de base debilitante (como no caso, criança
prematura de 29 semanas e que possuía displasia broncopulmonar), culminou por
reformar a sentença de procedência do pleito, sob o entendimento de não ter
havido comprovação de falha no serviço ou nexo de causalidade entre as condutas
empregadas no atendimento médico e a morte da criança.
Contudo, tal entendimento não se coaduna com a
disposição do art. 373, § 1º, do CPC, pois, inequivocamente, a situação se
amolda à hipossuficiência probatória de que trata o referido dispositivo de
lei.
A Primeira Turma, no âmbito do AREsp n.
1.723.285/DF, de relatoria do Ministro Sérgio Kukina, já havia concluído pela
possibilidade de inversão do ônus da prova em razão da hipossuficiência da
parte autora: "é cabível inversão do ônus da prova nas ações que
tratam de responsabilidade civil por erro médico, quando configurada situação
de hipossuficiência técnica da parte autora". (AgInt no AREsp n.
1.723.285/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em
23/2/2021, DJe 26/2/2021).
O ente público possuía o dever de comprovar que a
morte do bebê não seria fruto da ausência de internação no momento em que se
detectou a pneumonia bacteriana, especialmente quando considerada a orientação
assentada pelo Ministério da Saúde sobre a necessidade de internação das
crianças portadoras de doença de base debilitante (displasia broncopulmonar),
perfil no qual se encaixava o pequeno paciente.
Com base na teoria da perda de uma chance, se o
infante, diagnosticado com pneumonia bacteriana pela equipe médica, tivesse
sido oportunamente internado na unidade hospitalar, sua morte poderia ter sido
evitada, acaso providenciado o monitoramento médico de que necessitava em razão
de sua grave condição de saúde.
A respeito da mencionada teoria, no âmbito da
responsabilidade civil por erro na prestação de serviços médico-hospitalares,
vale destacar a seguinte lição: "embora não haja a prova do nexo causal entre a ação e o dano, o
defeito na ação médica reduziu as expectativas (cura, melhores condições de
sobrevida, tratamento menos doloroso etc.), a responsabilidade é pela perda
dessa oportunidade, a ser indenizada segundo o regime da perda da chance"."
(Grifado).
Portanto, vimos que a tese sob
comento firma importante entendimento no sentido de que, no âmbito da responsabilidade
civil por erro na prestação de serviços médico-hospitalares, prevalece a
inversão do ônus da prova, nos moldes do artigo 373, § 1º., do Código de
Processo Civil, ante a hipossuficiência técnica da parte autora, e que prevalece
o regime da perda de uma chance, independentemente de
prova quanto ao nexo causal entre a ação e o dano, abarcando os direitos fundamentais de direito
à vida e à dignidade da pessoa humana.
Fonte
: Informativo de Jurisprudência do STJ, em https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisarumaedicao&livre=0019E.cod.&from=feed. REsp
1.985.977-DF,Rel. Ministro Sérgio
Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 18/6/2024, DJe 26/6/2024.
Referências bibliográficas :
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